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Nos anos 1920, segundo Rubens Borba de Moraes, primeiro diretor da Divisão de Bibliotecas Públicas da Prefeitura paulista (1935), operava-se uma alteração na maneira mesma de se conceber o trabalho do bibliotecário.

“Os responsáveis pelas bibliotecas eram nomeados porque gostavam de livros, e eram, geralmente poetas, escritores, etc. e o resultado prático era lamentável... A ideia fundamental da [...] Escola de Biblioteconomia era preparar tecnicamente os bibliotecários. O nosso caso era formar profissionais para Bibliotecas Públicas. Nós dávamos [...] uma grande ênfase às questões técnicas; a catalogação era uma coisa importante, que tinha um desenvolvimento bastante grande; a classificação a mesma coisa”. (Entrevista com Rubens Moraes, apud SOUZA, 1990, p.45.)

Essa mudança não só promovia um ideal de profissionalização do bibliotecário, insistindo no preparo técnico, como alterava as práticas bibliotecais instauradas no Brasil. O novo padrão de classificação proposto por Rubens de Moraes para a Escola de Biblioteconomia de São Paulo espelhava-se nos moldes norte-americanos, substituindo o modelo europeu. Após realizar, nos Estados Unidos, em 1936, um curso oferecido pela Associação de Bibliotecários Americanos para diretores de bibliotecas da América Latina, e estagiar nos vários departamentos de uma Biblioteca Pública, do atendimento ao público até a catalogação, Moraes voltara ao Brasil deslumbrado, e afirmara “Nos Estados Unidos vi outra coisa, não se podia comparar, eles estavam 50 anos adiantados em relação à Europa”. (Idem, p. 44.)

A esse movimento percebido no campo mais amplo da Biblioteconomia, acrescentavam-se iniciativas de natureza mais propriamente educacional de grande visibilidade, como a criação, em 1932, da Biblioteca Central de Educação (chefiada por Armando de Campos), e, em 1934, da Biblioteca Infantil (dirigida por Cecília Meireles), ambas no Rio de Janeiro, durante a administração Anísio Teixeira do Departamento de Educação do Distrito Federal; e, em 1931, da Biblioteca Pedagógica Central (sob responsabilidade de Achiles Raspantini), na gestão M.B. Lourenço Filho da instrução pública paulista, em 1933, do Serviço de Bibliotecas e Museus Escolares do Departamento Estadual de Educação chefiado por Luiz Galhanone), durante a reforma educacional de Fernando de Azevedo e, em 1936, da Biblioteca Infantil do Departamento Municipal de Cultura (fundada e dirigida por Lenyra Fraccaroli), sob a gestão de Mário de Andrade, todas as três em São Paulo.

Para explorar as discussões sobre bibliotecas na arena escolar, propriamente dita, é insuficiente, entretanto, realçar marcos. Importante como pistas da magnitude dos debates, não permite o entendimento das representações sobre a função da biblioteca na escola primária e as práticas escolares a ela associadas. Para a percepção de matizes dessas representações e práticas, torna-se interessante perscrutar algumas atividades realizadas no interior da escola. Como forma de situar a experiências de Iracema Silveira na escola primaria do Instituto de Educação de São Paulo, o recurso a trabalho semelhante realizado em mesma época no Rio de Janeiro pode ser eficaz.

Ao assumir a direção da Instrução Pública do Distrito Federal, em 1927, Fernando de Azevedo ocupou-se em sistematizar uma ampla reforma do ensino carioca (VIDAL, 1995), que, dentre outros aspectos, como forma de intervenção na prática pedagógica, previa a instalação de bibliotecas e museus para professores e alunos em cada escola primária. Composto por títulos aprovados pelo Conselho de Educação, censurados pelos diretores e doados por autoridades ou particulares, o acervo deveria ser inventariado em livro distribuído pela Diretoria Geral, aberto, numerado e rubricado pelo inspetor escolar (Decreto 2.940, de 22/11/28, Art. 116). Trimestralmente, o responsável pelas bibliotecas, geralmente um professor da escola, auxiliado por alunos, tinha por incumbência efetuar uma estatística dos livros de preferência do corpo discente, remetendo à Diretoria o mapa do movimento bibliotecal (Decreto 2.940, de 22/11/28, Art. 630).

Associar bibliotecas a escolas primárias não era novidade no cenário educacional brasileiro. Desde o fim do século XIX, salas de bibliotecas eram previstas nas plantas das escolas para uso e instrução do professor. Despontava interesse, entretanto, a proposta de bibliotecas para alunos, administradas com seu concurso, e o cuidado com o registro do movimento de livros: aquisição e consulta. A preocupação anunciada pela gestão Azevedo foi ampliada por Anísio Teixeira, em 1931, quando assumiu a direção da Instrução Pública do Rio de Janeiro.

Estendendo o alcance do decreto de Azevedo, Teixeira criou a Biblioteca Central de Educação-BCE (Decreto 3.763, de 01/02/1932), com o objetivo de incentivar o intercâmbio bibliográfico e cinematográfico e coordenar as atividades das bibliotecas escolares. Em agosto de 1934, instalou a Biblioteca Infantil do Pavilhão Mourisco. Dirigida por Cecília Meireles até 1937, quando foi fechada pelo governo Vargas sob a acusação de veicular literatura comunista -As aventuras de Tom Sawyer, de Mark Twain, era a prova da improbidade -, a Biblioteca possuía um acervo de literatura infanto-juvenil, selecionado a partir do inquérito que a educadora efetuou entre novembro e dezembro de 1931, recolhendo questionários e tabulando respostas de 933 meninas e 454 meninos dos 3º, 4º e 5º anos primários de 24 escolas do Rio de Janeiro, com idades entre 7 e 14 anos. O conjunto da Biblioteca Infantil incluía as seções de gravuras, cartografia, recortes de jornal, selos e moedas, música e cinema, artística (pequenas conferências, audições, dramatizações, exposições etc.), propaganda e publicidade e observações e pesquisa.

Livros dispostos em estantes à altura das mãos das crianças, rodeavam a sala de leitura, permitindo aos leitores infantis um acesso direto aos volumes, que poderiam ser lidos no local ou retirados para leitura em casa: práticas totalmente novas, mas não inéditas. Nas escolas primárias, os alunos acostumavam-se com a frequência às bibliotecas escolares ou a leitura em sala de aula, onde lhes era facultado escolher o livro diretamente da estante a partir de uma relação de prazer estabelecida com o título, a capa e plasticidade da edição. No horário específico de biblioteca escolar, introduzido no quadro curricular, ou, em sala de aula, findo o exercício proposto pela professora e enquanto aguardavam a finalização dos trabalhos pelos colegas, de forma a respeitar o ritmo individual de aprendizagem, os alunos eram incentivados a buscar livros para leitura silenciosa. Textos repletos de imagens e com poucas letras para os anos iniciais eram substituídos paulatinamente por histórias mais elaboradas e menos ilustradas nas séries mais avançadas de forma a permitir um contato imediato do leitor com o livro: recomendações que constavam do item Bibliotecas do Programa de Linguagem, publicado em 1934.

Tanto na Biblioteca Infantil do Pavilhão Mourisco, quanto nas bibliotecas escolares, o estímulo à leitura era efetuado também pela atuação das professoras, incumbidas de conduzir atividades que promovessem o gosto de ler. A cada livro lido correspondia o preenchimento de ficha de leitura pelos alunos. Essa tarefa, nas palavras da diretora da escola primária do Instituto de Educação do Distrito Federal, Orminda Marques, contribuía para conscientizá-los da importância do livro e da leitura e de sua responsabilidade ao cuidá-lo, reduzindo assim, o extravio.

A biblioteca da Escola Primária havia sido criada em 1932, com um acervo inicial de 282 livros, ampliado, em 1933, para 482 volumes. Sua administração era realizada por uma professora-bibliotecária, que tinha por atribuição, além de efetuar a estatística dos livros lidos,"fazer que os alunos adquiram hábitos de silêncio e recolhimento, para melhor eficiência de sua leitura e possibilidade da leitura de outros, levando-os, desse modo, a compreender a necessidade de cada um respeitar o sossego e, portanto, a liberdade dos outros"; "guiar os alunos na leitura e pesquisas que pretendem fazer, indicando-lhes as fontes de informação adequadas, sem, entretanto, tolher-lhes a iniciativa e a liberdade de escolha necessárias"; e "procurar desenvolver de todos os modos o gosto pela leitura e o amor ao livro, pela escolha cuidadosa dos que devem compor a biblioteca, pelo modo de apresentá-los às crianças, pela organização de concurso e inquéritos, pela narração de histórias" (Programa de Ciências Sociais, 1934, p. 180-181).

Como complemento às atividades escolares de leitura, na Escola Primária do Instituto de Educação do Distrito Federal, em 1932, foi criado o primeiro clube de leitura. Dirigido por alunos e alunas de quarto e quinto anos, o clube promovia encontros mensais para conferências, resumos e recitações. Parte do material era cedido pela Biblioteca Infantil. Complementava o trabalho desenvolvido na biblioteca infantil, ocupando-se de leituras de estudo. Em 1933, o Distrito Federal possuía 98 clubes de leitura (NUNES, 1993, p. 101).

As iniciativas denotavam o novo valor do livro e da leitura para o ensino primário nos anos 1920 e 1930, constituídas no âmbito das propostas escolanovistas, disseminadas no Rio de Janeiro e outros estados da federação.

Palavras-chave: leitura, biblioteca escolar, clube de leitura, bibliotecas

Bibliografia:

 

NUNES, Clarice. A escola redescobre a cidade: reinterpretação da modernidade pedagógica no espaço urbano carioca (1910-1935). Tese de Concurso para Professor Titular em História da Educação do Departamento de Fundamentos Pedagógicos da ESE/UFF. Niterói, 1993.

 

SOUZA, Francisco das Chagas de. O ensino da Biblioteconomia no contexto brasileiro. Florianópolis: EdUFSC, 1990.

 

VIDAL, Diana. O exercício disciplinado do olhar: livros, leituras e práticas de formação docente no Instituto de Educação do Distrito Federal (1932-1937). Doutorado. FEUSP, 1995.

 

Fontes:

Decreto 2.940, de 22/11/28, Distrito Federal.

Decreto 3.763, de 01/02/1932, Distrito Federal.

Programa de linguagem. Departamento de Educação do Distrito Federal. Série C. Programas e guias de ensino, nr. 1. Rio de Janeiro: Cia. Editora Nacional, 1934.

Programa de Ciências sociais. Departamento de Educação do Distrito Federal. Série C. Programas e guias de ensino, nr. 4. Volume primeiro: 1.,2. e 3. anos. Edição Preliminar. Rio de Janeiro: Cia. Editora Nacional, 1934.

 

Autoria: Diana Vidal

Bibliotecas Escolares

 

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