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Escolas Normais Livres

O desenvolvimento da cultura cafeeira no interior do estado de São Paulo se intensificou nos anos iniciais do século XX e, de modo correlacionado à construção de ferrovias, contribuiu para a ocupação territorial do “sertão paulista” e para o crescimento demográfico nas cidades e vilas que se criaram nos arredores das ferrovias e das estações de trem.

Com a população se expandindo para além do Vale do Paraíba e da região central, após a década de 1910, os sertões paulistas passaram a ser ocupados e, junto das famílias que se migravam para esses locais, estavam, também, as crianças que precisavam de escolarização primária.

Para os administradores da educação, a ocupação territorial era considerada principalmente a partir de dois pontos de vista; tratava-se, de um lado, de contribuir para que o território deixasse de ser vulnerável e invadido. Desse ponto de vista, a disseminação da população pelos espaços despovoados funcionava como meio de garantir a integridade regional. Por outro lado, a população que migrava para o interior do estado preocupava os republicanos, pois nesse grupo estavam incluídos alguns elementos considerados perigosos para os administradores da educação, que alçavam formar e construir a Nação brasileira: os imigrantes – temidos por estarem associados aos movimentos grevistas e anarquistas, como o que havia promovido a Greve de 1917 – e a população caracterizada como preguiçosa, apática, avessa ao trabalho e doente, como a imagem do “Jeca Tatu”, eternizada na leitura feita por Monteiro Lobato em Urupês, publicada em 1918.

Desse ponto de vista político-administrativo, era imperioso civilizar essa população e oferecer escolarização primária às crianças de modo a suprir as carências em termos de valores morais e éticos, assim como ensinar a importância do trabalho árduo, a língua pátria – com o que se evitaria a disseminação de outros idiomas – e a história nacional. Com isso, seria possível moldar essa população considerada uma massa amorfa.

Apesar da importância crucial que assumia a expansão da escolarização primária a todas as cidades do interior, alguns empecilhos faziam-se presentes, dentre os quais a ausência de professores em quantidade suficiente para atender a grande demanda por escolarização primária. Além de o número de formados ser pequeno frente ao que era necessário para sanar as questões de provimento de escolas – especialmente as rurais do interior do estado –, os/as normalistas que se formavam nas grandes cidades dificilmente se arriscavam a adentrar os sertões e quando o faziam, permaneciam pouco tempo, transferindo-se rapidamente para as escolas situadas nas cidades maiores.

Esse quadro desafiava os administradores da educação e o grande enfrentamento desses republicanos era justamente o de criar ferramentas para combater a grande mazela do analfabetismo. Alguns dados a respeito da quantidade de formandos pelas Escolas Normais do Estado de São Paulo auxiliam na visualização do cenário educacional. Leonor Tanuri (1979) indica que o número de formandos decresceu em meados da década de 1920. Em 1915, por exemplo, formaram-se 1006 professores; em 1920, 631; em 1925, 238.

Para se estabelecer a comparação, segundo dados dos Annuários do ensino, em 1919, havia em São Paulo cerca de 166.758 crianças matriculadas nos grupos escolares e nas escolas isoladas – apesar das 232.543 crianças em idade escolar que estavam sem escolas, como alertou Oscar Thompson. Em 1923, esse número subiu para 186.276 e, em 1926, para 235.978. Como se observa, enquanto a quantidade de formandos normalistas decresceu, a quantidade de matriculados na escola primária aumentou.

Buscando responder de modo efetivo a esse cenário, foi implantada a Reforma da Instrução Pública Paulista de 1927, promovida por Amadeu Mendes, na condição de Diretor Geral da Instrução Pública de São Paulo. Com a nova legislação vigendo, as Escolas Normais Livres foram equiparadas às Oficiais do estado – com exceção da Escola Normal da Capital – visando formar professores em número suficiente para atender a demanda das regiões mais afastadas dos grandes centros urbanos.

Vale mencionar que anteriormente à equiparação, as escolas denominadas Normais Livres eram organizadas a partir de iniciativa municipal ou particular e não gozavam de reconhecimento estadual no que se refere aos seus diplomados. Desse modo, aqueles que se formassem por essas instituições poderiam exercer a profissão docente apenas em escolas primárias particulares ou como professores leigos nas escolas estaduais. Com a reforma, os professores formados nas Escolas Normais Livres poderiam lecionar em todas as escolas primárias oficiais, estaduais e municipais, e nas particulares.

Tais aspectos permitem identificar os interesses do reformador ao equiparar as escolas de formação de professores; se um dos grandes problemas era a ausência de professores para atender à demanda por ensino primário, a difusão da formação de professores cumpriria com esse papel. Por meio dessa medida, o reformador alçava expandir o curso normal para o interior do estado e, por consequência, atender às reivindicações acerca da educação primária tanto por parte dos administradores da educação, quanto por parte da população.

Com a implantação da Reforma, as demais Escolas Normais Oficiais – com exceção da Escola Normal da Capital –, que antes eram organizadas em cinco anos de duração, passaram a ter três anos de duração. Buscava-se formar rapidamente um quadro de professores para atuarem nas escolas primárias. Tal redução da duração do curso, porém, não foi recebida com entusiasmo por todos os educadores, parlamentares e intelectuais. Alguns questionavam justamente o fato de o estado não controlar a formação dos professores e deixar à iniciativa particular e municipal algo tão crucial, bem como traziam ao debate os problemas que poderiam decorrer do aligeiramento e da possível desqualificação da formação exemplar que os normalistas tinham até então.

A grande argumentação de Amadeu Mendes, que se manteve no cargo entre 1927 e 1930, se assentava na economia que essa reforma geraria. Isto é, com a contenção de gastos obtida por meio da equiparação, o governo poderia investir na difusão do ensino primário. Amadeu Mendes (1929) afirmou que as dez Escolas Normais Oficiais diplomavam uma média de 345 alunos por ano, o que era insuficiente para fornecer instrução gratuita às 150.000 crianças em idade escolar nas zonas rurais do estado. Esse reformador contabilizou que, se cada classe tivesse “[...] em média 30 alumnos, seriam necessários 5.000 professores, número esse que as escolas officiaes só num prazo minimo de 6 anos poderiam dar.” (p. 46).

As defesas de Amadeu Mendes acerca da Reforma de 1927 se ancoravam em dados alarmantes a respeito da difusão do ensino primário na zona rural. Segundo o Diretor Geral da Instrução Pública, no ano de 1926 haviam sido criadas 2.156 escolas rurais no estado; todavia, muitas delas ainda se encontravam vagas devido à falta de professores. Desse modo, além da equiparação, uma das medidas propostas pela Reforma de 1927 indicava que os diplomados nas Escolas Normais Livres apenas poderiam atuar em escolas urbanas após terem permanecido 200 dias letivos em exercício em escolas rurais, bem como só poderiam se tornar adjuntos de Grupos Escolares após mais 200 dias letivos em escolas urbanas ou 400 dias em escolas rurais. Essa exigência, no entanto, era exclusiva para os formados das Escolas Normais Livres e não vigorava para os diplomados nas Normais Oficiais.

Após a publicação dessa Reforma da Instrução Pública houve um aumento expressivo na quantidade de Escolas Normais Livres equiparadas. Para ter certa dimensão, até 1927, havia dez Escolas Normais Oficiais no estado de São Paulo; após a Reforma, foram equiparadas 26 Escolas Normais Livres, duas, na capital e 24, no interior (INOUE, 2015).

Em 1930, o número de Escolas Normais Livres atingiu 49 unidades, com 4.017 matriculados. As 10 Escolas Normais Oficiais, por sua vez, tinham 3.684 matriculados. Segundo Leila Inoue (2017, p. 4826) “Formava-se a primeira turma de alunos das Escolas Normais Livres após a equiparação com 934 formandos e mais 1.203 formandos das Escolas Normais Oficiais totalizando 2.137 novos professores.” Tal medida juntamente com seus resultados fizeram com que o governo provisório optasse por exonerar 1.050 professores leigos que lecionavam em Escolas Primárias do estado.

Constata-se, portanto, aumento acentuado na quantidade de matriculados. Além desse aspecto, vale mencionar também o lugar ocupado pelas instituições de ensino confessionais na disseminação do curso normal, por meio da criação de novas instituições, o que, segundo Inoue (2015), deve ser considerado na história dessas instituições de formação de professores.

Para além desses aspectos, importa ressaltar que a expansão da criação de Escolas Normais Livres pelo estado não ocorreu de modo uniforme (TANURI, 1979; INOUE, 2015; 2017). Apenas a título de exemplificação, a região oeste do estado teve expansão tardia se considerarmos o ano de publicação da reforma: apenas a partir da década de 1940. Tal aspecto pode ser compreendido como decorrente do próprio movimento de expansão demográfica, que também foi tardio nessa região, tendo se iniciado de modo mais acentuado nos anos finais da década de 1920.

A partir do que foi apresentado, é possível constatar que apesar dos questionamentos levantados acerca da qualidade do ensino oferecido nas Escolas Normais Livres, elas tiveram impacto na formação de um quadro amplo de professores no interior do estado ao longo das primeiras décadas do século XX. Notam-se os esforços dos administradores em agir visando à disseminação da educação primária e a importância que a equiparação teve no sentido contribuir para que professores fossem formados nos cantos mais remotos do estado.

 

Palavras-chave: Escola Normal Livre; Formação de professores; Reforma de 1927; Expansão do ensino primário e normal.

 

Referências

 

Inoue, Leila Maria. (2015). Entre Livres e Oficiais: a expansão do ensino Normal em São Paulo (1927-1933). Dissertação de mestrado, Universidade Estadual Paulista, Marília, SP, Brasil.

 

______. (2017). O ensino normal e a Reforma de 1927: transformações no cenário educacional paulista. Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação. João Pessoa, Universidade Federal da Paraíba.

 

Tanuri, Leonor Maria. (1979). O ensino normal no estado de São Paulo: 1890-1930. São Paulo: EDUSP.

 

Fontes

 

Mendes, Amadeu. (1929). Relatório: apresentado ao Secretário do Interior Dr. Fabio de Sá Barreto (1927-1928). São Paulo: Irmão Ferraz.

 

São Paulo. (1919). Annuário do Ensino do estado de São Paulo. São Paulo: Typographia do Diário Official.

 

Autoria: Angélica Pall Oriani

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