Sanitarismo
O crescimento urbano associado a imigração e aumento de oficinas e fábricas, desde os primeiros anos do regime republicano no Brasil significou riqueza e implementação das chamadas “melhorias urbanas”; contudo, segundo Telarolli Junior (1996, p. 270), o grande número de pessoas entrando no país de forma acelerada cooperou para agravar problemas sanitários e epidêmicos nas cidades do país onde esses homens e mulheres se concentravam. Dentre as doenças, que já castigavam os brasileiros, e que foram difundidas entre imigrantes que ficavam aglutinados nas colônias ou ocupavam cortiços das cidades, pode-se destacar a varíola, a febre amarela, a malária, a tuberculose e a ancilostomose (FARIA, 2006, p. 180). De acordo com Gondra, o reordenamento econômico, político e cultural que ocorreu no Brasil desde o final do século XIX determina novos signos, um exemplo disto é a ideia de progresso, que marcou o país no início do Novecentos, entretanto, “(...) é possível detectar permanências sendo uma delas a própria vontade de higienizar a sociedade, a escola e a infância” (2002, p. 315).
Nas primeiras décadas do século XX, a construção de uma nação republicana, ordeira e progressista foi estruturada de forma interligada com os temas educação e saúde da população. Essa educação, escolar ou não, foi influenciada pelos discursos da higiene[1], do saneamento, e, depois, da eugenia[2].
Os ideais eugênicos que no Brasil receberam ênfase nas chamadas “práticas de melhoramento” (como nos hábitos de higiene), assim como a preocupação com a constituição do brasileiro eram pautas significativas dos sanitaristas nas primeiras décadas do século XX. De acordo com Mota (2003), essas concepções eugênicas se apresentavam principalmente com uma metodologia estruturada na perspectiva higiênica.
Essa preocupação com a boa constituição do brasileiro perpassa vários segmentos sociais em diferentes partes do Brasil e será parte significativa da pauta dos sanitaristas em meados dos anos 1910 e de ideais eugênicos, que no Brasil receberam ênfase nas chamadas “práticas de melhoramento” (como os hábitos de higiene). Desta forma, no final do século XIX e na primeira metade do século XX as políticas públicas de saneamento seriam influenciadas pelas concepções eugênicas que se apresentavam de forma modificada e com metodologia estruturada na perspectiva higiênica (MOTA, 2003)[3].
Neste contexto de transformações, cuidar da saúde, ampliar a educação higiênica e sanitária de crianças e mães é evidente.
Um Estado constituído sobre o fortalecimento da família e da propriedade do lar salubre; pelo saneamento; pela educação higiênica, eugênica, intelectual e moral; pela assistência principalmente às mães e à infância, e pelo estímulo e amparo ao trabalho seria um Estado onde reinariam “a paz, a saúde, a prosperidade e a alegria, em virtude da vitalidade das células do organismo social” (CARVALHO, 1998, p. 163).
Pouco a pouco, foi sendo constituída uma rede com “intelectuais de diferentes áreas como médicos, “sociólogos”, filantropos e juristas” somando esforço para “instaurar a ordem civilizatória brasileira” (MARQUES, 1994, p. 18). Esta ordem, relacionada aos princípios da higiene, se investe do “poder de gerir também a esfera do privado” (MARQUES, 1994, p. 26).
Como escreveu Pandini, “os médicos higienistas disseminaram a preponderância da educação na regeneração da raça, no aperfeiçoamento do espírito e na conformação do corpo infantil, elementos esses indispensáveis à constituição de uma nação civilizada.” (2006, p. 20).
A preocupação dos médicos com as questões sanitárias e higiênicas era cada vez mais explícita. Os discursos dos médicos indicavam como perigosos, as aglomerações, os temidos germes das moléstias, os odores que poderiam ser formas de contágio, além dos hábitos anti-higiênicos. Sendo que, em alguns casos, esses médicos também prescreviam o isolamento dos doentes e a necessidade das autoridades determinarem regras de higiene à população. Elementos que justificavam a realização de melhorias na cidade e educação higiênica da população (BENVENUTTI, 2004, p. 81). Como escreveram Lima e Hochman.
No caso brasileiro, a higiene, entre outros discursos de base científica, teve forte presença nas interpretações sobre os dilemas e as alternativas colocadas para a construção da nação. A idéia de males não apresenta, dessa forma, apenas uma analogia com o discurso médico, mas trata-se de uma alusão às doenças como obstáculo ao progresso ou à civilização (2000, p. 315).
Corroborando com esse discurso, Rocha (2005, p. 74) destaca que os problemas de saúde eram entendidos como resultado da falta de educação, neste sentido, as principais inovações da reforma sanitária de 1925 foram a criação dos centros de saúde e do curso de educadores sanitários, que auxiliariam na superação dos problemas causados pelo crescimento urbano por meio da difusão da educação sanitária. Na institucionalização da reforma sanitária de 1925 as preocupações relacionavam-se à higiene, puericultura, educação sanitária e assistência à infância (ROCHA, 2005, p. 87)
As práticas de educação sanitária desenvolvidas desde a mais tenra idade, no lar e na escola, apresentam-se como possibilidades de intervir sobre a infância, corrigindo seus defeitos, auxiliando na conservação da saúde e protegendo-a das moléstias infecciosas. (p. 91)
No cumprimento desse desideratum, a educação sanitária figura como a “melhor arma de combate” de que poderia lançar mão a escola, com vistas a garantir a ampla difusão dos conhecimentos e a inculcação dos hábitos saudáveis, assegurando a formação da consciência sanitária, “base da estabilidade e segurança da nação”. (ROCHA, 2005, p. 92).
Desta forma, a concepção “campanhista” estabelecida no Brasil neste período, enfatiza a saúde como um processo pedagógico, sendo que a educação sanitária passou as ser “o elemento-chave para a formação de uma consciência sanitária da população”, no qual o novo modelo de saúde do campo médico direcionava-se, além da promoção da saúde, também para a prevenção das doenças, difundindo a educação sanitária como imperativa. (FARIA, 2006, p. 185).
Palavras-chave: Saúde; Educação; Educação Sanitária; Higienismo.
Referências
BENVENUTTI, A.F. As reclamações do povo na belle époque: a cidade em discussão na imprensa curitibana (1909-1916). Curitiba, 2004. Departamento de História, Universidade Federal do Paraná. Mestrado (Dissertação em História).
CARVALHO, M.M.C. de Molde nacional e fôrma cívica: higiene, moral e trabalho no projeto da associação Brasileira de Educação (1924-1931). Bragança Paulista: EDUSF, 1998.
FARIA, L. Educadoras Sanitárias e Enfermeiras de Saúde Pública: identidades profissionais em construção. Cadernos Pagu (27), julho-dezembro, 2006. p. 173-212.
GONDRA, J. G. “Modificar com brandura e prevenir com cautela”. Racionalidade médica e higienização da infância. In: FREITAS, M.C.; KULHMANN JR, M. (org). Os intelectuais na História da Infância. São Paulo: Cortez, 2002.
LIMA, N.T. e HOCHMAN, G. Pouca saúde, muita saúva, os males do Brasil são... Discurso médico-sanitário e interpretação do país. Ciênc. saúde coletiva [online]. Vol. 5, nº. 2, p. 313-332, 2000.
MARQUES, V.R.B. A medicalização da raça: médicos, educadores e discurso eugênico. Campinas: UNICAMP, 1994.
MOTA, A. Quem é bom já nasce feito: sanitarismo e eugenia no Brasil. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
PANDINI, S. A Escola de Aprendizes Artífices do Paraná: “Viveiro de homens aptos e úteis” (1910-1928). Curitiba, 2006. Setor de Educação, Universidade Federal do Paraná. Mestrado (Dissertação em Educação).
ROCHA, H.H.P. A educação sanitária como profissão feminina. Cad. Pagu [online]. 2005, n.24, pp.69-104. ISSN 1809-4449. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-83332005000100005. Acesso em 09/09/2017.
TELAROLLI JR., R. Imigração e epidemias no estado de São Paulo. História, Ciências, Saúde – Manguinhos. Vol. III, nº. 2, p.265-283 jul.-out. 1996.
[1] A definição de higiene se entrelaça com preocupação contra doenças ou limpeza. Segundo Marques (1994, p.27), “a higiene no Brasil, (...) inseria-se no governo político dos indivíduos como um novo agente coercitivo, na medida em que incorporava a cidade e a população à esfera do saber médico”.
[2] Conjunto dos métodos que visam melhorar o patrimônio genético de grupos humanos; teoria que preconiza a sua aplicação (AVANZINI, 2011, p. 13). De acordo com Goldim (2003) a palavra eugenia “foi criado por Francis Galton (1822-1911), que o definiu como: O estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente”. No Brasil a eugenia “seguia a corrente francesa neolamarckista, que defendia a herança das características adquiridas” o que acaba se relacionando “com o projeto sanitarista de regeneração do povo e construção da nação (...)” (FREIRE, 2009, p. 163).
[3] Segundo Mota (2003, p. 44), a eugenia pode ocorrer “por ação negativa ou restritiva e por ação positiva ou construtiva”. A eugenia restritiva tem como medidas “a regulamentação do casamento, a segregação e a esterilização”, pois desta forma se impediria o nascimento de indivíduos considerados “anormais e deficientes”. Por sua vez, a eugenia construtiva se baseava na “educação higiênica e na propaganda dos princípios de eugenia e da hereditariedade”.
Autoria: Claudinéia Maria Vischi Avanzini