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Deolinda de Paula Machado Fagundes

De professora primária de Campinas à Diretora do Grupo Escolar de Santa Efigênia – São Paulo (anos de 1870 a 1890)

 

Deolinda de Paula Machado Fagundes atuou na educação primária de São Paulo entre os anos de 1870 a 1890. Foi professora primária de algumas escolas públicas paulistas, entre elas: a 3ª cadeira da Escola Primária Feminina, em Campinas, a 2ª cadeira da Villa de Santo Amaro, a Escola Morro do Chá, e, por fim, professora e diretora do Grupo Escolar Santa Ifigênia, na capital, até 1898, ano de seu falecimento. Deolinda foi casada com João de Oliveira Fagundes, também professor primário só que dos meninos. Antes de assumir sua primeira cadeira pública, em concurso realizado em 4 de setembro de 1877 (Correio Paulistano, 08/09/1877), no qual foi aprovada plenamente, foi professora particular e algumas de suas alunas acompanharam-na para a escola em que assumiu de modo a continuar tendo aulas com ela. Durante o período em que lecionou em Campinas, sua escola esteve em três endereços, dois, pelo menos, na região central da cidade.

Ainda em seus anos iniciais de exercício, na Escola Primária Feminina de Campinas, Deolinda afastou-se de suas funções para cursar a Escola Normal Caetano de Campos, em São Paulo, de 1880 a 1882, tendo, assim, uma formação diferenciada para o período. Em sua ausência, Maria Eugênia de Camargo Teixeira assumiu a escola. Uma vez formada como normalista, Deolinda reassumiu a cadeira. Em 1890, ela passou a lecionar na 2ª Cadeira de Villa de Santo Amaro; após dois anos, assumiu a cadeira da Escola do Morro do Chá, mediante a realização de permuta de escolas com a professora Christina Umberlina Collares. A referida escola situava-se na região central da capital paulista, sendo posteriormente reunida com outras escolas próximas, para formar o Grupo Escolar Santa Ifigênia, sob a sua direção.

O período de atuação da professora Deolinda, anos 1870 e 1890, é particularmente relevante, pois, ao longo do século XIX, estava em curso a difusão das escolas que se queria extensiva a todos (gratuita, obrigatória, pública e laica), observada em vários países como Inglaterra, Alemanha (de modo especial a Prússia), Áustria, França, Espanha, Portugal e Estados Unidos. A Província de São Paulo, de modo especial, tomou desses países referências que serviram para que organizasse seu sistema público de ensino. Assim, os anos finais do século XIX representaram um momento muito significativo no âmbito da discussão dos preceitos pedagógicos estruturantes da escola moderna, ou seja, da escola graduada: espaço e tempos próprios para se ensinar e aprender, organização dos programas escolares, delineamento da relação idade x série x conhecimento, método simultâneo de ensino, por exemplo.

Deolinda atuou na transição entre o período que antecedeu a institucionalização da escola primária – em que a instituição escolar estava em formação e o ensino primário era realizado em um espaço não arquitetado para ser escola (casas, igrejas, fazendas etc.) e as crianças de diversas idades se reuniam sob os cuidados de um(a) só professor(a), responsável também por trabalhos de secretaria, como o registro de matrículas e portaria,- e sua efetivação com a criação dos grupos escolares, em 1893, em São Paulo, sendo professora nos dois cenários. A partir de 1870, as recomendações oficiais eram no sentido de que os preceitos da escola moderna fossem incorporados pelos(as) professores(as) primários(as), sendo esses tidos como os propulsores das mudanças a serem empreendidas.

A leitura de relatórios de sua autoria e de inspetores, assim como de jornais do período, nos quais a professora foi algumas vezes notícia e que trazem informações importantes de sua carreira profissional, evidencia o perfil crítico e questionador de Deolinda no exercício de sua função, nas três décadas finais do século XIX. Além dos relatórios, outras fontes como ofícios, circulares, livros de registros e Anuários do Estado de São Paulo trazem além de dados e discussões acerca de sua rotina escolar, seu método de ensino e relação com as alunas, seu posicionamento frente aos regimentos e a burocracia, suas impressões acerca de aspectos que dificultavam ou facilitavam suas práticas docentes e também de seus colegas professores.

Seus relatórios destacam-se pelo teor de sua contestação no que diz respeito às políticas educativas, assim como a frequente apresentação de demandas de melhorias na educação primária. Argumentava em prol da importância da organização do espaço escolar para a realização de práticas pedagógicas concernentes aos preceitos modernos de educação. Solicitava constantemente mobílias e outros materiais para viabilizar o atendimento de todas as alunas matriculadas, mas pela falta de retorno acabava por comprá-los com recursos próprios. Fez também a troca de vários compêndios, recebidos em certa ocasião, para assegurar a qualidade e o acesso das alunas. Com frequência, apontava incongruências entre o que se regulamentava e as possibilidades práticas de atuação, a exemplo de se ensinar com os métodos recomendados (mútuo e simultâneo) com a quantidade de alunas frequentes e as condições concretas de trabalho. Deolinda lecionava sempre para grupos de mais de 50 meninas; a quantidade de alunas não passava despercebida em suas anotações, ora julgando-a positiva pela possibilidade de aprendizagem para tantas, ora criticando-a tendo em vista as dificuldades de se administrar sozinha o grupo de meninas, a escassez de recursos e um programa questionável. Esse aspecto também era bastante discutido pela professora, pois o programa contemplava o ensino de matérias que não havia estudado na Escola Normal. Por outro lado, sinalizava o ensino de matérias para além do que era solicitado haja vista o cumprimento da preparação de suas alunas para os exames.

Esses foram bastante explorados em seus relatórios, preparação e efetivação; de modo geral, dando visibilidade ao seu trabalho exitoso na educação das meninas, uma vez que tinha um grande número de alunas aprovadas nos mesmos. Os jornais, assim como pessoas de prestígio, eram convidados a presenciar os exames, o que se refletia em publicações cheias de elogios e observações quanto ao trabalho bem feito dos professores e alunos avaliados, tais como fizeram jornais como Diário de Campinas e o Correio Paulistano, que noticiaram os exames ocorridos nas escolas sob a responsabilidade de Deolinda. Os exames também eram utilizados para que a professora justificasse aos pais a importância da escolarização e da utilização dos ensinamentos aos seus filhos, em especial às meninas, por vezes impedidas de frequentar as escolas. Afora seu reconhecimento expresso no jornal, Deolinda indicou, em seus relatórios, a recorrência com que autoridades compareciam em sua escola para ver o seu funcionamento, a exemplo de D. Pedro II. Ao considerarmos os livros de registros e circulares de ofício observamos seu percurso profissional, que evidencia uma postura progressista em relação à carreira; experimentando diferentes posições e localidades, Deolinda adquiriu vivências e conhecimentos necessários para ascender profissionalmente, em um momento histórico em que, segundo demonstram estudos de Nóvoa (1992) e Catani (2003), por exemplo, as bases da profissão docente ainda estavam sendo estabelecidas (Estado responsável pela educação, formação específica, organização da categoria e concursos públicos mais rigorosos com base em saberes pedagógicos).

Ao se considerar os relatos de outras professoras e o cenário das escolas primárias no período em que atuou, constata-se que Deolinda diferenciava-se de grande parte das professoras primárias do período em que atuou por vários motivos; trouxe inovações no modo de ser professora primária, sendo isso evidenciado pela natureza dos dados presentes em seus relatórios, por sua visibilidade social e por sua busca de aperfeiçoamento e crescimento profissional. Afora suas notáveis inovações pedagógicas (uso de diversos compêndios, ensino pelo método intuitivo e grande êxito na preparação das alunas para os exames, por exemplo), destaca-se o fato de ter chegado à função de diretora de Grupo Escolar, atividade essa exercida sobretudo pelos homens no período em questão. Sabidamente, até mais da metade do século XX, as mulheres acabavam por exercer a docência, com raras exceções exerciam cargos administrativos no campo educacional. O tom contestador a acompanhou nos anos em que exerceu a profissão, o que contraria uma percepção de que as mulheres eram submissas e obedientes; Deolinda questionava o Estado, reclamava ao inspetor e às autoridades públicas aumento salarial, melhorias em sua escola e para a educação primária de modo geral.

A produção existente em história da educação sobre a educadora

​A professora Deolinda é citada em três produções acerca do século XIX. Manoel (1996), no livro intitulado Igreja e educação feminina, 1859-1919: uma face do conservadorismo, ao tratar das condições das escolas isoladas e da pobreza dos alunos que a frequentavam, chama a atenção para o fato de Deolinda, numa tentativa de contornar esse fato, emprestar seus próprios livros às suas alunas, conforme seu relatório de 1879. Lapa (2008), em A cidade - Os cantos e os antros: Campinas 1850-1900, ao discutir a modernidade em Campinas, traz algumas referências à professora Deolinda, sendo duas delas a propósito da visita do Imperador em sua escola e de seu marido, e também ao discutir os colégios e a imprensa no período dedicado ao livro. Gallego (2008), em sua tese, Tempo, temporalidades e ritmos nas escolas primárias em São Paulo: heranças e negociações (1846-1890), analisou seus relatórios, tendo esses um papel importante para a discussão acerca da configuração temporal da escola primária no século XIX.

 

Palavras-chave: século XIX, escola primária, professora primária, educação feminina, escola isolada, grupo escolar, diretora grupo escolar

 

 

Bibliografia:

Catani, D. B. (2003). Educadores à meia-luz: um estudo sobre a Revista de ensino, da Associação Beneficente do Professorado Público de São Paulo (1902-1918). Bragança Paulista [Brazil]: Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa em História da Educação, CDAPH.

Gallego, R. de C. (2008). Tempo, temporalidades e ritmos nas escolas primárias em São Paulo: heranças e negociações (1846-1890), São Paulo, Tese: FEUSP.

Lapa, José Roberto do Amaral (2008). A cidade - Os cantos e os antros: Campinas 1850-1900. São Paulo/Campinas: UNICAMP/EDUSP.

Louro, Guacira Lopes (1997). Mulheres em sala de aula. In: Del Priore, Mary. História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997. p.443-481.

Manoel, I. A. (1996). Igreja e educação feminina, 1859-1919: uma face do conservadorismo. São Paulo: Editora UNESP.

Nóvoa, António (coord.) (1992). Formação de professores e profissão docente. In: ________ Os professores e a sua formação. Lisboa : Dom Quixote, p. 13-33.

 

Arquivos:

Acervo da Escola Estadual João Kopke, Arquivo do Estado de São Paulo, Centro de Referência Mário Covas,

 

Hemeroteca Digital Brasileira/Biblioteca Nacional

 

Autoria: Rita de Cassia Gallego e Marcela Barbosa Calvo Vega

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